sexta-feira, 20 de junho de 2008

Crítica de filme: O escafandro e a borboleta



Jean-Dominique, editor da revista Elle francesa, sofre um derrame que lhe paralisa o corpo inteiro, exceto o olho esquerdo. É a partir desta única janela que o protagonista de "O Escafandro e a Borboleta", baseado em fatos reais e vencedor de importantes prêmios no Festival de Cannes, poderá enxergar e se comunicar com o mundo. E o mundo de Jean-Do, como se pode perceber desde a primeira tomada, mudou: o bem-sucedido jornalista encontra-se agora preso à cama de um hospital no interior da França, impossibilitado de falar ou de mover qualquer músculo além do olho.

As coincidências com Mar Adentro, premiado longa do diretor Alejandro Amenábar, são muitas. Mas há uma grande diferença: enquanto Ramón - protagonista do longa espanhol - decide pela morte, Jean-Do consegue desvencilhar-se do escafandro em que está encarcerado (o seu próprio corpo), e permite que a sua imaginação se transforme em uma borboleta, dando a si próprio a oportunidade de viver.

Ao assistir à tocante cena em que Jean-Do declara, por piscares de olhos, que quer morrer, não se pode imaginar que aquele mesmo personagem (real!) será capaz de escrever um livro em circunstâncias tão adversas. Mas é justamente essa possibilidade que garante à borboleta de Jean-Do asas para voar por meio de suas fantasias, angústias, medos e expectativas. E nessa viagem, percebe-se que não apenas o protagonista está preso num escafandro. O seu pai, prisioneiro de suas pernas, a ex-esposa, que não consegue se livrar do amor e da dedicação masoquistas que nutre pelo protagonista, a atual namorada, que não se liberta do seu medo e não consegue se aproximar de Jean-Do durante a sua estadia no hospital. Todos, como se define Jean-Do, náufragos num mar de solidão.

O longa, agraciado em Cannes com o prêmio de melhor diretor, permite ao espectador colocar-se, em diversos momentos, na pele do imobilizado Jean-Dominique: seja na primeira seqüência, em que a angústia de não ser ouvido vai dominando o protagonista, ou ao longo do roteiro, quando passamos a compartilhar com o editor de Elle a sua solidão e a culpa por não ter feito - enquanto podia - tudo que gostaria.

sábado, 7 de junho de 2008

Crítica de Cinema: O Signo da Cidade



Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli tinham ouro nas mãos. Mas lapidaram demais.


O espaço urbano é o cenário de "O Signo da Cidade". E não é uma cidade qualquer, mas São Paulo, em cujo último aniversário o longa foi lançado. Com direito a música inédita de Caetano Veloso e boas atuações de Juca de Oliveira, Eva Wilma e Denise Fraga, e também de Bruna Lombardi, que assina o roteiro, O Signo poderia ser um grande um filme. Mas não é.

Trata-se de um retrato da dureza e da solidão de algumas vidas desconexas, aos olhos de Teca, uma astróloga que recebe consultas num programa de rádio noturno. Em determinado momento, a protagonista não se contenta em prestar ajuda esotérica, e parte para a "vida real", tentando resgatar aquelas pessoas do anonimato e da solidão em que estão imersas.

O problema da trama é que Bruna e Riccelli não defendem até o final o seu festival de misérias, a la Alejandro Iñárritu (Amores Brutos, 21 gramas). Explicam demais e não se libertam dos clichês, provavelmente para suavizar a dureza da realidade de que resolveram tratar. O espectador não sabe se está assistindo a um bom retrato das misérias da paisagem urbana ou a mais um capítulo de Malhação, que poderia abrigar os paupérrimos diálogos entre a personagem de Bruna Lombardi e o de Malvino Salvador.

O longa encontra boas saídas, e consegue envolver, ainda que, aparentemente, tenha aberto portas demais. O problema não está na multiplicidade de histórias, mas na conexão forçada que o roteiro pretende estabelecer entre elas, e em clichês insuperáveis, como a mulher que dá à luz e rejeita o filho, cujo nome não poderia ser outro, senão Maria, ou o bom enfermeiro que salva a vida de uma criança, mas morre assassinado, por engano, pelo pai da paciente.

O happy end - amor acima de tudo, ainda que não seja esse o plano traçado pelo destino - também não combinou com a concretude e realismo aos quais o roteiro parece se vocacionar. Mas, sobre ele, não tecerei mais comentários: assista se achar que vale o preço do ingresso.

P.s.: Apenas duas observações finais. O filme está abaixo das minhas expectativas, mas não é dos piores. E uma outra, que talvez lhe faça ir ao cinema para assistir a "O Signo da Cidade": Contardo Calligaris gostou.

domingo, 1 de junho de 2008

My blueberry nights (Um beijo roubado)


A cantora nova-iorquina Norah Jones é Elizabeth, às vezes Lizzie, outras Beth. No início, é simplesmente a menina que vai a um café e deixa um penca de chaves, para serem entregues ao seu ex-namorado. O dono do estabelecimento, Jeremy, guarda as chaves que lhe são confiadas, por não caber a ele fechar, em definitivo, aquelas portas.

"Um beijo roubado", novo filme do chinês Kar Wai Wong, é a história de Elizabeth, Jeremy, Arnie, Sue Lynne e Leslie: cinco personagens que buscam preencher o seu vazio. E esta busca passa pelo olhar e pela existência do outro. Como é para todos nós, aliás.

Angustiada com o término do seu relacionamento, Elizabeth pega a estrada e parte para a descoberta de si mesma. Mas a sua trajetória não seria possível sem a cumplicidade - ainda que silenciosa - do amigo inglês Jeremy. E, neste caminho, a jovem depara-se com pessoas que buscam o mesmo: o complemento que o outro pode nos proporcionar, e do qual tanto precisamos.

Se a atuação de Norah é apenas correta - e isto é um elogio, já que é a estréia da cantora nas telas - o diretor recorre aos excelentes Jude Law, Natalie Portman e Rachel Weisz, esta última numa excepcional interpretação da mulher que foge do ex-marido obcecado, de quem não consegue se desvencilhar.

Ponto para a direção de fotografia, pela competentíssima escolha de cores e de ângulos, que conferem beleza peculiar ao filme. Para a trilha sonora, inclusive para a inédita assinada por Norah. E para o roteiro sensível de Kar Wai Wong, que diz respeito a qualquer um, já que o caminho percorrido por Norah é o mesmo que todos nós estamos desbravando em meio a lágrimas e sorrisos.