sábado, 7 de janeiro de 2012

Crack



É inacreditável ouvir que o governo do Estado de São Paulo e a prefeitura da capital tenham adotado a estratégia da "dor e sofrimento" no trato aos usuários de crack que ocupam as ruas do centro.

Leio no jornal que os policiais não vão mais dar sossego aos noias. Expulsam-nos do centro aos chutes e pontapés (e, é claro, balas, por enquanto de borracha). O drogados vão - em bando - a uma praça próxima. E deitam-se desolados. Cansados (da corrida assustada, da surra da vida, da doença, e do cachimbo, da cracolândia, do real). Descansam-se já nem sei em que plano. Mas a polícia também os expulsa de lá. Diz a senadora da oposição (ainda de tailleur vermelho?) que não há para onde os craqueiros irem.

No dia seguinte, dizem que a operação foi precipitada, pois um galpão (!!!!!) para os noias ainda está em fase de construção. O enredo não se resolve. E agora, para onde irão? Vão passar três meses impingindo dor e sofrimento aos noias, até que o galpão fique pronto? Vão caçar-lhes à morte?

Bem, o enredo não se resolve. Mais: o que farão no galpão dos noias? Onde será o leprosário? Como fucionará? Matarão lá os que sobreviverem à corrida? Quanto tempo durará a operação? Há algum planejamento de exterminío? É absurdo no rigor da palavra.

P.s.: legenda da foto - São Paulo, 5/1/2012. Crédito: Márcio Fernandes/AE

sábado, 1 de maio de 2010

Vencem-nos as paixões


Há quase um ano que nada é postado nesse blog. Não que haja nada que valha a pena de mencionar: tantas são as coisas dignas de compartilhar, mas escasso é o tempo livre para encarar a folha em branco (substituída pelo formulário - também em branco - das postagens de um blog).

Vontade não faltou nos últimos dias: o excelente e circense show de Tom Zé que lança o seu dvd O Pirulito da Ciência, o vazio ante o filme A Estrada, de John Hillcoat, e os últimos dois livros lidos - Nas Tuas Mãos, da fantástica Inês Pedrosa, e o instigante Indignação, do americano Philip Roth. Mas o que traz até o blog é o filme argentino "El secreto de sus ojos", ganhador - merecido - do oscar de melhor filme estrangeiro (confesso que A Fita Branca, o favorito, ficou aquém de minha expectativa).

A paixão que vence, persegue e aprisiona cada um de nós: saí do cinema pensando nisso. Numa mistura de policial, comédia e drama, o segredo dos olhos de cada uma dos personagens, o que importa enfim, é a sua grande paixão. Não dá para contar muito sem estragar surpresas, mas são as paixões que movem (e que paralisam) cada um dos personagens do filme de Campanella: o protagonista que não se liberta de sua paixão da juventude, o colega apaixonado pela embriaguez, o juiz apaixonado por si próprio, o assassino apaixonado pela vítima, o viúvo obcecado pela ex-mulher.

Engrosso a vox populi: o cinema argentino é, de longe, mais sofisticado e muito mais bem feito do que o nosso ainda incipiente cinema nacional, tão preso às questões sociais. Não é à tôa que enquanto o Brasil é o país do futebol, o vizinho, dizem, é o segundo país do mundo em quantidade de psicanalistas por habitantes. As questões de O Segredo de seus olhos, embora passem (passem mesmo - en passant, eu diria) pela repressão na época da ditadura, são muito mais universais e humanas. Que paixões escondem o segredo dos nossos olhos?

sábado, 29 de agosto de 2009

Televisão e Youtube

Jaqueline Carvalho, a professora primária demitida por dançar o "Todo Enfiado", vai ao Programa Geral do Brasil.

Constrangimento total: veja o vídeo aqui.


Heroína contra o moralismo

Pobre do pais que precisa de heróis, dizia Bertold Brecht. Necessários, porém, surgem heróis repentinamente e a todo o tempo. E como cada época tem o herói que merece, foram-no, um dia, Marthin Luter King, Mandela, e tantos outros. A mais nova heroína simplesmente dançou o "todo enfiado" ("tem mulher que usa P, tem mulher que usa M, tem mulher que usa G...") e, na tarde de ontem, já estava num sofrível programa vespertino, "prestando esclarecimentos à sociedade".

Essa mulher, contudo, fez mais do que dançar o todo enfiado: ela incorpora o herói (ou simplesmente um bode expiatório da coletividade). Jaqueline vai ao programa "Geral Do Brasil" enfrentar o falso moralismo de uma nação católica "não praticante". Com suas pequenas (e por vezes mórbidas) transgressões, todos somos alvo, no nosso íntimo, da moral da sociedade. E todos formamos o nosso próprio inimigo. Bons canibais (vitimados pela moral, somos parte parte integrante dela) olhamos para Jaqueline, a dançarina do todo enfiado, e ela nos diz: "todos têm direito de errar, mas não têm direito de julgar". Jaqueline, uma pecadora apedrejada, está arrependida. E vai ao Geraldo Brasil para pedir perdão à moral, à sua própria moral. E a moral, coletiva, assiste ao programa, e goza.

Jaqueline, discreta, poderia calar-se e seguir a sua vida. Aproveitadora ("esperta", diriam), poderia posar a revista Sexy, virar uma nova celebridade instantânea e ganhar, em 15 minutos, o que alguns não terão ao longo da vida. Ingênua - porém - Jaqueline se vende por alguns mirréis (ou nem se vende), vai a um programa vespertino apelativo ("esperto", diriam) e dá a cara para bater. No júri popular, dois especialistas em moral: um humorista de segunda e um fofoqueiro televisivo (ocasionamente fora do ar). Prestando testemunho, o cantor do hit "todoenfiado".

A professora pós-graduada - ré - não concorda números nem verbos, e diz que "eu posso?" tem sujeito indeterminado. O presidente do julgamento diz que o país é demagogo e reduz a cultura musical da Bahia à "boquinha da garrafa". A testemunha (cantor nas horas ocupadas) agradece aos veículos de comunicação da Igreja Universal, que estão apoiando a luta da professora-dançarina, e aproveita para divulgar a sua agenda de shows.

Ela diz que "errou, assumiu o erro e vai dar a volta por cima". Declara-se culpada e aguarda o julgamento, suplicando um perdão. Jaqueline Carvalho, exclusivo para o Geral do Brasil. Uma heroína legítima. Lamentável.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Arte à la carte

Que tal um sorriso menos enigmático para Monalisa? E se Machado não fosse tão misterioso, e deixasse claro se, afinal, Capitu traiu ou não Bentinho?

Ainda não assisti a “Ensaio sobre a cegueira”, adaptação do livro homônimo de José Saramago, dirigido por Fernando Meirelles, que estréia nos cinemas brasileiros no próximo mês de setembro. E nem assistirei ao filme exibido em Cannes. Devido às críticas severas (e as favoráveis, onde ficam?), Meirelles resolveu “suavizar” a sua obra: cortes na cena do estupro e na narração do personagem de Danny Glover são os exemplos relatados pela Folha de São Paulo (reportagem abaixo).

Sem ditadura militar, é o mercado quem dita o que é “assistível”. Via de regra, o agradável. Se serve a arte para agradar? Boa pergunta. Grupos de discussão e aparelhinhos de medição de audiência já mataram um casal de lésbicas na novela das oito. Dão, agora, os rumos a serem seguidos por um dos mais talentosos diretores de cinema do país. Saramago discordou das mudanças. Poderia ter dito: vende logo para Globo Filmes, Fernando.

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'Cegueira' muda
(Folha de São Paulo, ILUSTRADA, 27/08/2008)


Após exibição de "Ensaio sobre a Cegueira" no Festival de Cannes, diretor Fernando Meirelles exclui narração em "off", acrescenta uma cena e modifica outra para a estréia do longa no Brasil, no próximo dia 12

A atriz Julianne Moore como a mulher do médico, cujas intenções eram narradas em locução eliminada

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Ensaio sobre a Cegueira", o longa de Fernando Meirelles que estréia no próximo dia 12, não é exatamente o mesmo "Ensaio sobre a Cegueira" com que o diretor abriu o Festival de Cannes, em 14 de maio.
Meirelles modificou o filme, após o festival, onde sua versão para o livro homônimo do Nobel de Literatura português José Saramago recebeu mais críticas severas do que favoráveis.
A principal mudança é a subtração da narração em "off" (com a voz superposta às imagens) feita pelo personagem do velho com a venda (Danny Glover). Por ser um narrador onisciente, o velho com a venda é tido como alter ego de Saramago na trama sobre uma epidemia de cegueira que atinge toda a população, exceto a mulher do médico, interpretada pela norte-americana Julianne Moore.
A narração descrevia sobretudo os sentimentos e intenções da mulher na segunda parte da história, em que os personagens estão encarcerados.
"Foi uma decisão dura de se tomar, mas achei que ficava melhor sem a narração", afirma Meirelles, que saiu de Cannes "com essa pulga atrás da orelha, achando que a narração estava explicando, atrapalhando".
O diretor consultou Saramago sobre a mudança. Foi desaconselhado a fazê-la. O escritor viu o filme em sessão privada em Lisboa, três dias após a estréia no Festival de Cannes.
De volta ao Brasil, no entanto, o cineasta reviu diversas vezes o filme, "testando-o com e sem a narração". Optou por eliminá-la, mas não por inteiro. Três trechos foram mantidos.
Nos pontos em que a locução foi suprimida, as cenas foram ligeiramente encurtadas.
Ladrão
Outra mudança foi o acréscimo de uma cena envolvendo o ladrão, vivido por Don Mckellar, que é também roteirista do filme, e o primeiro personagem a ficar cego (Yusuke Iseya).
Na versão exibida em Cannes, o ladrão sumia com o carro do cego, abandonando-o no meio da rua. Os dois só voltavam a se encontrar no "hospital" improvisado pelo governo.
A cena acrescentada mostra o ladrão retornando ao encontro do cego e o acompanhando no caminho do elevador até seu apartamento. O modo como o cego se desembaraça da presença do ladrão e aguarda a chegada da mulher também foi integrado à nova versão.
Em sessões-teste com público realizadas antes de o filme ter seu primeiro corte "final", as cenas de estupro foram as mais criticadas. Meirelles suavizou-as, de acordo com o desejo dos espectadores.
"Senti que aquilo desconectava o espectador. A partir daquele momento, ele ficava contra o filme", diz. Para a estréia nos cinemas, o diretor fez outra alteração nessas cenas, intensificando sua iluminação.
Na projeção em Cannes, o cineasta achou que a imagem estava escurecida demais, o que dificultava ao espectador identificar o grande vilão desta passagem, interpretado pelo mexicano Gael García Bernal.
O impacto das modificações na duração total do longa é de apenas um minuto -saltou de 120 para 121 minutos.
O filme "ficou mais simples" com as mudanças, na opinião de Meirelles. "Mas, se eu for ver de novo, vou ficar mudando. A solução é nunca mais assistir."

Um adendo: O FILME É LINDO, mesmo assim.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Crítica de filme: O escafandro e a borboleta



Jean-Dominique, editor da revista Elle francesa, sofre um derrame que lhe paralisa o corpo inteiro, exceto o olho esquerdo. É a partir desta única janela que o protagonista de "O Escafandro e a Borboleta", baseado em fatos reais e vencedor de importantes prêmios no Festival de Cannes, poderá enxergar e se comunicar com o mundo. E o mundo de Jean-Do, como se pode perceber desde a primeira tomada, mudou: o bem-sucedido jornalista encontra-se agora preso à cama de um hospital no interior da França, impossibilitado de falar ou de mover qualquer músculo além do olho.

As coincidências com Mar Adentro, premiado longa do diretor Alejandro Amenábar, são muitas. Mas há uma grande diferença: enquanto Ramón - protagonista do longa espanhol - decide pela morte, Jean-Do consegue desvencilhar-se do escafandro em que está encarcerado (o seu próprio corpo), e permite que a sua imaginação se transforme em uma borboleta, dando a si próprio a oportunidade de viver.

Ao assistir à tocante cena em que Jean-Do declara, por piscares de olhos, que quer morrer, não se pode imaginar que aquele mesmo personagem (real!) será capaz de escrever um livro em circunstâncias tão adversas. Mas é justamente essa possibilidade que garante à borboleta de Jean-Do asas para voar por meio de suas fantasias, angústias, medos e expectativas. E nessa viagem, percebe-se que não apenas o protagonista está preso num escafandro. O seu pai, prisioneiro de suas pernas, a ex-esposa, que não consegue se livrar do amor e da dedicação masoquistas que nutre pelo protagonista, a atual namorada, que não se liberta do seu medo e não consegue se aproximar de Jean-Do durante a sua estadia no hospital. Todos, como se define Jean-Do, náufragos num mar de solidão.

O longa, agraciado em Cannes com o prêmio de melhor diretor, permite ao espectador colocar-se, em diversos momentos, na pele do imobilizado Jean-Dominique: seja na primeira seqüência, em que a angústia de não ser ouvido vai dominando o protagonista, ou ao longo do roteiro, quando passamos a compartilhar com o editor de Elle a sua solidão e a culpa por não ter feito - enquanto podia - tudo que gostaria.

sábado, 7 de junho de 2008

Crítica de Cinema: O Signo da Cidade



Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli tinham ouro nas mãos. Mas lapidaram demais.


O espaço urbano é o cenário de "O Signo da Cidade". E não é uma cidade qualquer, mas São Paulo, em cujo último aniversário o longa foi lançado. Com direito a música inédita de Caetano Veloso e boas atuações de Juca de Oliveira, Eva Wilma e Denise Fraga, e também de Bruna Lombardi, que assina o roteiro, O Signo poderia ser um grande um filme. Mas não é.

Trata-se de um retrato da dureza e da solidão de algumas vidas desconexas, aos olhos de Teca, uma astróloga que recebe consultas num programa de rádio noturno. Em determinado momento, a protagonista não se contenta em prestar ajuda esotérica, e parte para a "vida real", tentando resgatar aquelas pessoas do anonimato e da solidão em que estão imersas.

O problema da trama é que Bruna e Riccelli não defendem até o final o seu festival de misérias, a la Alejandro Iñárritu (Amores Brutos, 21 gramas). Explicam demais e não se libertam dos clichês, provavelmente para suavizar a dureza da realidade de que resolveram tratar. O espectador não sabe se está assistindo a um bom retrato das misérias da paisagem urbana ou a mais um capítulo de Malhação, que poderia abrigar os paupérrimos diálogos entre a personagem de Bruna Lombardi e o de Malvino Salvador.

O longa encontra boas saídas, e consegue envolver, ainda que, aparentemente, tenha aberto portas demais. O problema não está na multiplicidade de histórias, mas na conexão forçada que o roteiro pretende estabelecer entre elas, e em clichês insuperáveis, como a mulher que dá à luz e rejeita o filho, cujo nome não poderia ser outro, senão Maria, ou o bom enfermeiro que salva a vida de uma criança, mas morre assassinado, por engano, pelo pai da paciente.

O happy end - amor acima de tudo, ainda que não seja esse o plano traçado pelo destino - também não combinou com a concretude e realismo aos quais o roteiro parece se vocacionar. Mas, sobre ele, não tecerei mais comentários: assista se achar que vale o preço do ingresso.

P.s.: Apenas duas observações finais. O filme está abaixo das minhas expectativas, mas não é dos piores. E uma outra, que talvez lhe faça ir ao cinema para assistir a "O Signo da Cidade": Contardo Calligaris gostou.

domingo, 1 de junho de 2008

My blueberry nights (Um beijo roubado)


A cantora nova-iorquina Norah Jones é Elizabeth, às vezes Lizzie, outras Beth. No início, é simplesmente a menina que vai a um café e deixa um penca de chaves, para serem entregues ao seu ex-namorado. O dono do estabelecimento, Jeremy, guarda as chaves que lhe são confiadas, por não caber a ele fechar, em definitivo, aquelas portas.

"Um beijo roubado", novo filme do chinês Kar Wai Wong, é a história de Elizabeth, Jeremy, Arnie, Sue Lynne e Leslie: cinco personagens que buscam preencher o seu vazio. E esta busca passa pelo olhar e pela existência do outro. Como é para todos nós, aliás.

Angustiada com o término do seu relacionamento, Elizabeth pega a estrada e parte para a descoberta de si mesma. Mas a sua trajetória não seria possível sem a cumplicidade - ainda que silenciosa - do amigo inglês Jeremy. E, neste caminho, a jovem depara-se com pessoas que buscam o mesmo: o complemento que o outro pode nos proporcionar, e do qual tanto precisamos.

Se a atuação de Norah é apenas correta - e isto é um elogio, já que é a estréia da cantora nas telas - o diretor recorre aos excelentes Jude Law, Natalie Portman e Rachel Weisz, esta última numa excepcional interpretação da mulher que foge do ex-marido obcecado, de quem não consegue se desvencilhar.

Ponto para a direção de fotografia, pela competentíssima escolha de cores e de ângulos, que conferem beleza peculiar ao filme. Para a trilha sonora, inclusive para a inédita assinada por Norah. E para o roteiro sensível de Kar Wai Wong, que diz respeito a qualquer um, já que o caminho percorrido por Norah é o mesmo que todos nós estamos desbravando em meio a lágrimas e sorrisos.