domingo, 20 de abril de 2008

Crítica de Cinema: O Banheiro do Papa


O Banheiro do Papa é bonito. E triste. E se os fatos não aconteceram do exato modo como são narrados - avisa-se no começo do filme - foi só uma questão de azar.

Melo é uma pequena cidade uruguaia, na fronteira como o Brasil. Paupérrimos, alguns habitantes vivem de contrabandear sacos de erva-mate e otras cositas numa árdua viagem de 60 quilômetros, de bicicleta, muitas vezes interrompidas pelos autoritários policiais aduaneiros, que exercem o seu pequeno poder como nós bem conhecemos.

Ocorre que o papa João Paulo II vai a Melo. E então, a cidade sonha. Beto - o protagonista - sonha. Silvia - filha de Beto - sonha. E todos tentam transformar os seus sonhos em realidade: a população de Melo vê na visita do papa uma grande oportunidade de negócios, já que cerca de 20.000 brasileiros são esperados na pequena cidade. Pães, salsichas e pastéis são alguns dos itens que a população pretende vender aos vizinhos. Beto tem a idéia genial: se 20.000 pessoas vão comer e beber, será necessário também um banheiro. E vai construindo o seu sonho, com esmero. E Silvia, a adolescente que sonha em ser jornalista, pode sonhar mais perto, já que a imprensa vai a Melo para cobrir o grande evento.

Mas O Banheiro do Papa não é só sobre sonhos. O filme traça um belo contraponto entre devaneios e realidade. E se todos sonham, também todos precisam atender às demandas concretas do seu cotidiano: e muitas vezes, o sonho do banheiro e da locução de rádio serão só sonhos. Mas as viagens de 60 quilômetros, sob a humilhação que o poder estatal impõe, estas continuarão reais. E necessárias.

Destaque para a belíssima fotografia do uruguaio César Charlone, que co-dirige o filme.

O Banheiro do Papa está em cartaz no Cinema do Museu, em Salvador.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Crítica de cinema: Apenas uma vez



"Apenas uma vez" segue a trilha dos belíssimos "Antes do amanhecer" e "Antes do pôr do sol": a narrativa de um encontro.

É de encontros que é feita a vida, diria Vinícius. Em cartaz em Salvador, o vencedor do oscar de melhor música original (2006) "Once", do irlandês John Carney narra, de forma despretensiosa, o encontro entre um jovem músico de rua e uma vendedora de flores, na noite de Dublin.

Como nos já clássicos Antes do Amanhecer e em Antes do Pôr do Sol, de Richard Linklate, importa ao filme o momento como ele é, independente da conseqüência eventual que aquele encontro trará. Mas em "Apenas uma vez", que faz a opção pela música em vez dos diálogos de Linklate, o passado e o presente importam, e são trazidos pelos personagens inominados através da palavra. Cada um tem sua história, e o próprio encontro entre os dois, de algum modo, é resultado das vivências do passado e servirá para retomada dessas próprias histórias pretéritas.

Mas o momento é vivido e narrado, e passa a existir na vida dos protagonistas, independente do futuro (ou melhor, do não-futuro). "Apenas uma vez" trata de uma história concluída entre duas pessoas, que vivem um momento e seguem as suas trajetórias individuais. O enredo não é o mais original, mas sensibiliza na medida em que vivemos na expectativa ansiosa pelo futuro, e pelo que cada relacionamento poderá gerar. Em "Apenas uma vez", o encontro entre "the guy" e "the girl" não dá em nada. Apenas em uma lembrança, um CD e um bom filme.

Tratar de um musical e não falar da trilha sonora é impossível. Priorizei a história à música pela seguinte razão: o indie rock do grupo irlandês The Frames é simpático, mas a música não exerce papel importante na narrativa. Pelo contrário, às vezes soa excessiva. Isso, contudo, não desmerece o trabalho de John Carney: Apenas uma Vez vale a pena ser visto, e ouvido.

domingo, 6 de abril de 2008

Crítica: Domingo no TCA - projeto Neojibá



"Infeliz é o povo que precisa de heróis", dizia Bertold Brecht. E também o é aquele cujas instituições enfraquecidas soam falsas e protocolares. Eis o que aconteceu na Bahia nos anos de carlismo, e que agora, ao que parece, tenta-se reconstruir. Não sem grande esforço.

Emocionante assistir ao concerto da Orquestra Juvenil Dois de Julho no último domingo, no Teatro Castro Alves. A primeira emoção fica por conta de Beethoven, Stravinsky, Arturo Marquez, Saint-Saens, Bizet e Rossini, executados pelos jovens músicos do projeto, regidos pelo maestro Ricardo Castro, gestor da OSBA. A segunda, é a constatação de que é viável - e bom - construir instituições sólidas, em todas as áreas, inclusive na cultura.

O TCA dirigido por Moacir Gramacho serviu de espaço, no último ano, para grandes espetáculos. A Orquestra Sinfônica está trabalhando, e se apresentando. E a surpresa do projeto Neojibá, do qual faz parte a Orquestra Juvenil Dois de Julho, dá indicativos de que a gestão cultural de Márcio Meirelles está indo por um bom caminho, superando as frustrações iniciais, talvez de fato necessárias.

Mas as nossas instituições - que lástima! - quase não existem. Assim como os hospitais públicos, a polícia e o judiciário, a cultura também está envolta na aura da falsidade resultado de anos de descaso com o público, e priorização do marketing. Importava vender a Bahia - aos baianos e não-baianos - como terra maravilhosa. E o que acontecia aqui (acontecia algo?) pouco importava. Pelo visto, não foi uma boa idéia acumular o turismo e a cultura numa mesma secretaria: hoje é claro que os governos anteriores falharam nas duas áreas. E espera-se que não aconteça o mesmo com o atual.

E tudo isso é para falar do concerto da orquestra juvenil? Sim. Isso porque o concerto fez parte do projeto do "Domingo no TCA", que abre as portas do teatro à população, com ingressos a 1 real. E como nossas instituições não são sólidas, como o povo nunca foi ao teatro, como aquele espaço é estranho a grande parte do público, a falta de educação é generalizada. Acontece de tudo: criança que chora, a outra que grita, mais uma que sai correndo pelas escadas do teatro. A mãe que ri dos filhos "pintões". O jovem que aplaude em meio à execução dos movimentos. O outro que se levanta e vai cumprimentar o maestro ao longo da apresentação.

Formação de platéia é difícil. Mas a gente precisa. E quer: o teatro estava cheio no concerto da Orquestra Juvenil Dois de Julho. E esteve na estréia do projeto, com o excelente show de Jussara Silveira e Luiz Brasil. E certamente estará na próxima, em que se apresentará a Orquestra Rumpilezz, do Maestro Letieres Leite. Valorizemos a nossa cultura.

Para saber do que estou falando: http://neojiba.blogspot.com
(foto retirada do blog do Neojibá)