sábado, 3 de maio de 2008

Crítica de Cinema: O Sonho de Cassandra




Cassandra foi uma fascinante jovem que recebeu de presente do encantado deus Apólo o segredo das profecias. Mas Cassandra recusa-se a fazer amor com Apólo, e é punida com uma terrível maldição: embora pudesse ver o futuro, ninguém jamais acreditaria em suas previsões.

Para narrar a tragédia quase grega, ambientada numa Inglaterra menos burguesa do aquela de Match Point, Woody Allen convoca Collin Farrell e Ewan McGregor, que vivem os irmãos Terry e Ian. O primeiro é um looser convicto, conformado com seu fracasso. Ele não é o "cerébro", e sabe disso. Para compensar suas angústias, joga, bebe e é viciado em remédios. Ian, por sua vez, é ambicioso e inconformado com o futuro que parece certo: cuidar do restaurante do pai, quase falido. Para completar o quadro familiar, Allen apresenta um pai absolutamente fracassado e uma mãe encantada pelo irmão bem-sucedido, em cuja sombra todos eles vivem.

E a história começa de forma inusitada: os dois irmãos decidem comprar um veleiro. Mas loosers compram veleiros? Só se o veleiro for um prenúncio da tragédia que está por vir. E é aí que Allen começa a brincar com as histórias da antiguidade clássica e batiza o barco de "O Sonho de Cassandra".

Daí em diante, é o Woody Allen fatalista que já conhecemos. E com componentes que misturam o mito de Cassandra ao clássico "Crime e Castigo", de Dostoiévski, já que o tio bem-sucedido encomenda um assassinato aos sobrinhos, que terão que suportar a culpa do crime. Você já viu esse filme? Sim. Match Point e Scoop também têm como elemento desencadeador uma morte. Mas aqui há uma novidade: se as nossas ações são irrevogáveis, o que fazer com a culpa inevitável aos que cruzaram a linha do seu próprio limite?

Vale a pena rever Woody Allen repetindo temas já abordados em filmes anteriores? Ele sempre repete - e sempre vale. A ausência do personagem constante, que ele próprio vivencia em muitos de seus filmes, é compensada por interpretações formidáveis de Ewan McGregor e Collin Farrell, em plena sintonia. E por um roteiro que consegue reerguer a trama múltiplas vezes e produzir três momentos de clímax. Digno de Woody Allen.

Fatos do cotidiano: Marcha da Maconha

Como meu outro blog é só para versos (e eu não vou criar um terceiro!), peço desculpas a quem veio procurando críticas de cinema, mas aí vai uma sobre fatos do nosso cotidiano. Em breve, tem mais arte por aqui!


Censura à Marcha da Maconha

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, é favorável à descriminalização da maconha. O deputado federal Fernando Gabeira também. Os ministros Humberto Costa, da saúde, e Gilberto Gil, da cultura, já se manifestaram neste sentido. Todos eles podem defender o seu entendimento. Você não.

Diz a Constituição Brasileira, promulgada nos anos posteriores à ditadura militar, que é livre a manifestação do pensamento (art. 5o, IV). E que todos podem reunir-se pacificamente, em local aberto ao público, independentemente de autorização (art. 5o., XVI).

A juíza Rosemunda Souza Barreto, da 2a. Vara Privativa de Tóxicos, no entanto, entendeu pela relativização destes direitos fundamentais, e concedeu liminar determinando a suspensão da Marcha da Maconha, que ocorreria neste domingo, 4 de maio, no Campo Grande. Ela afirma ser “inócua a firmação posta no site de que não pode haver uso da erva durante o evento”. Se a lógica da decisão está fundada no receio da magistrada de que se usará substância entorpecente durante o evento, cuidado: o carnaval pode ser suspenso a qualquer momento, sob a mesma justificativa.

O pedido fora formulado pelo Ministério Público do Estado da Bahia, órgão que nasce da mesma constituição “democrática e cidadã”, subseqüente aos anos de chumbo. O promotor responsável, Paulo Gomes Júnior, afirma que a marcha significa “decretar a anarquia e usurpar a ordem jurídica e os interesses sociais da nação”. Diz que a discussão deve se restringir à universidade e às casas legislativas. E, arremata alegando, mediunicamente, que o debate não deve ocorrer “em praça pública, ao sabor do morrões acesos, numa atitude ilícita que envergonha os nossos antepassados e nossos filhos”.

Mortos – que se saiba – não sentem vergonha. Os vivos, por sua vez, deveriam. O promotor suspeita que o website da marcha é administrado por grupos criminosos, patrocinados por traficantes de drogas. Será que alguém disse o mesmo das marchas contrárias ao desarmamento patrocinadas pela indústria bélica? É provável que não. Reúnam-se a favor das armas, reúnam-se a chorar pela morte de Isabela, mas deixem aos acadêmicos e aos legisladores a responsabilidade de debater a descriminalização da maconha, que poderia, efetivamente, reduzir os índices de criminalidade.

A propósito da descriminalização da maconha: o legislador só torna criminosas as condutas que lesam um bem jurídico relevante. No caso do uso de entorpecentes, a justificativa legal é que a conduta traz perigo à saúde pública. De fato, o tráfico de drogas atinge um número indeterminado de pessoas. O uso não. E é a descriminalização do uso que se defende na censurada marcha. Mas deixemos o debate a quem de direito. É assim que querem a Justiça e o Ministério Público baianos.

Pedro Leal Fonseca